João de A a Z: em livro, a memória do maestro João Carlos Martins

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Desafiado, maestro João Carlos Martins mergulhou fundo em sua memória afetiva para escrever ‘João de A a Z’, livro que acaba de ser lançado pela Editora Sextante

Na década de 90, o maestro João Carlos Martins, considerado um dos maiores intérpretes de Johann Sebastian Bach, ganhou o livro “Conversas com João Carlos Martins”, uma publicação que apresenta entrevistas concedidas por ele ao musicista David Dubal, com perguntas e respostas, principalmente sobre a obra e a composição do alemão Bach. Dez anos depois, nos anos 2000, foi produzido um documentário sobre a sua vida na França e na Alemanha. Na sequência, foi criado um documentário belga.

Anos mais tarde, foi lançada a obra “A Saga das Mãos – A Impressionante Trajetória do Maestro e um dos Maiores Intérpretes de Bach”, que também narrou a história do maestro e pianista João Carlos Martins, com muita superação, determinação e recheada de histórias comoventes e divertidas. Um dos pontos altos de sua trajetória aconteceu em 2011 quando a Vai-Vai apresentou o enredo “A música venceu” e levou ao Anhembi os 70 anos de vida do músico, marcada por reviravoltas e superação. O maestro ainda foi homenageado no espetáculo teatral “Concerto para João”.

Com tantas homenagens, ele já dizia para si mesmo: “Já está bom. Chega. Já estou com 79 anos”. Tudo mudou quando a editora Sextante o procurou e o desafiou a fazer um novo livro. “Surgiu a ideia de eu escolher cada palavra importante da minha vida e obra na ordem do alfabeto e falar sobre elas. Com a letra A, eu falo sobre amor, depois Bach, concerto, disciplina, esperança e assim por diante. Esperança, por exemplo, foi escolhida porque eu tive problemas físicos desde os 18 anos de idade e nunca perdi a esperança de tocar piano.”

O resultado pode ser visto em livro “João de A a Z”, em que, aos 79 anos, o maestro João Carlos Martins mergulha em memórias afetivas, desde aquilo que poderia representar os melhores momentos de sua vida até as situações em que foi preciso saber se reinventar. O escritor e jornalista Gilberto Dimenstein, que escreveu a orelha do livro, afirma que o encanto da obra é o encanto de um ser humano que fez do perigo uma forma de lidar harmoniosamente com a vida. “João Carlos Martins fez da perda, e foram muitas, uma matemática da soma.”

Intensidade

Na obra, Martins mergulha não só nas melhores, mas também nas piores lembranças de sua vida, como o acidente jogando futebol e o assalto na Bulgária, que afetou o movimento de ambas as mãos e o afastou do piano. Ele fala também de outros obstáculos na vida, que incluem as 24 cirurgias feitas, sendo a última um procedimento de secções de nervos do braço esquerdo, efetuado pela equipe médica do hospital Sírio-Libanês, que deixou o maestro com a mobilidade dos dedos bastante reduzida.

Segundo ele, os últimos tempos têm sido desafiadores e estimulantes. “A pior coisa que aconteceu em minha vida foi perder as mãos para o piano, e a melhor coisa que aconteceu em minha vida foi perder as mãos para o piano. Sobraram dois polegares, mas garanto que são dois polegares atrevidos. Sobraram também os olhos, os braços e o corpo para desenvolver a atividade de maestro do meu jeito, sempre procurando transmitir emoção através da música. Em outras palavras, vão-se as mãos, mas ficam os braços, o coração, os olhos, o cérebro, a fé.”

O livro tem 208 páginas e custa R$ 39,90 (impresso) ou R$ 24,99 (e-book). O leitor vai descobrir várias curiosidades do menino nascido no dia 25 de junho de 1940, em São Paulo, que com apenas 20 anos já se apresentava no Carnegie Hall, nos Estados Unidos. A obra é um tipo de almanaque com memórias e reflexões de sua trajetória, em que os capítulos foram dispostos em ordem alfabética. De um lado, o dom e a dedicação, do outro, a luta contra uma limitação motora, que apesar de impor limites, não o impediu de chegar aos mais importantes palcos do mundo.

O maestro afirma que Gilberto Dimenstein escreveu algo muito reflexivo. “Ele disse que o contrário da vida não é a morte, o contrário é a repetição. O segredo da minha vida foi procurar sempre me reinventar dia a dia e após a cada diversidade. Eu tive que mudar de profissão aos 64 anos de idade e estou com 79. Meu pai viveu até 102 anos. Quando ele completou 97, eu falei para ele que ia tentar lutar para deixar um legado. E hoje esta é a minha luta. Considero os problemas uma página virada no meu coração e na minha existência. O importante é deixar um legado. E hoje, num trabalho social, tem milhares de crianças que eu trouxe para o universo fantástico na música clássica. Com o projeto Orquestrando SP e Brasil já temos 500 orquestras parceiras para realizar o sonho de Villa-Lobos, que é fechar o Brasil em forma de coração através da música. Pela exposição que eu tenho na mídia, eu estou carregando esta bandeira. Eu chego a viajar 1.500 quilômetros de carro para colocar em prática este sonho.”

Muita fé

Há 16 anos, o piano se tornou algo secundário em sua vida profissional. A função de maestro virou a dominante. A Orquestra Bachiana Filarmônica Sesi-SP, por exemplo, foi fundada por ele em 2004. Católico que acredita em reencarnação, o maestro afirma que é preciso ter fé na vida, além de encontrar um propósito em seu ofício e ter aliados neste caminho. “Na vida é preciso ter determinação e disciplina para ultrapassar alguns obstáculos e também ter humildade. Alguns que Deus colocou na minha frente, eu tive humildade para reconhecer que eram impossíveis de resolver. Hoje, com dois polegares, por exemplo, eu toco piano, que é o meu velho companheiro. Não tenho nenhum medo de morrer. Mas quando a morte aparece, eu luto como um condenado para viver. O livro não é uma autoajuda, mas é um compartilhamento de uma história de superação.”

Fonte: Diário da Região

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