Maestro cria uma orquestra composta por jovens da rede pública de ensino de Bagé

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A Orquestra Jovem do Pampa abre os horizontes das crianças e dos adolescentes de escolas municipais da cidade

Novos sons ecoam no imponente prédio construído no início do século passado para abrigar a antiga hidráulica de Bagé. Revitalizado pela administração municipal em 2017, há um ano ele se tornou mais do que o Memorial da Água do município: é o espaço no qual crianças e adolescentes estão descobrindo um outro mundo por meio da música instrumental. Três vezes por semana, no horário inverso ao da escola, 50 estudantes dos colégios municipais da cidade aprendem por meio do violino, do violoncelo, do contrabaixo e da viola que é possível construir sonhos ouvindo Mozart e Beethoven. Eles fazem parte do projeto social Orquestra Jovem do Pampa, idealizado em 2013 pelo maestro Joab Muniz, 35 anos.

Desde os tempos de estudante de Música, na Universidade Federal de Pelotas (UfPel), Muniz tinha o desejo de trabalhar com crianças e adolescentes da periferia de sua cidade natal. Quando se formou, em 2007, retornou a Bagé com a proposta, mas não conseguiu o apoio necessário para colocar a ideia em prática.

Cinco anos depois, o maestro iniciou os trabalhos ao ser ajudado financeiramente pela empresária Zuleika Torrealba (1932–2019), carioca que controlava o Grupo Libra e conhecida mecenas radicada na região. Ela o presenteou com 50 instrumentos de corda e se tornou patrocinadora da orquestra, depois de conhecer o trabalho de Muniz durante uma apresentação. Nos dois anos seguintes, dezenas de crianças e adolescentes receberam aulas gratuitas numa sede improvisada dentro do prédio da empresa patrocinadora. O fim da parceria, em 2015, porém, quase enterrou o trabalho social para sempre.

Mas, mesmo sem apoiadores, Muniz não parou de se especializar para voltar a levar música aos carentes. No Rio de Janeiro, cursou mestrado em regência com ênfase em projetos sociais. De volta a Bagé, viu a oportunidade de retomar as aulas quando foi selecionado pelo Departamento de Água e Esgotos de Bagé (Daeb) para receber aporte financeiro, via edital. Ao mesmo tempo, fundou a Associação Amigos da Orquestra Jovem do Pampa, que hoje tem 80 associados entre doadores voluntários e empresas locais.

— Nosso objetivo não é formar músicos profissionais, mas darmos, por meio da música, uma nova visão de mundo a crianças e adolescentes de escolas públicas — diz o maestro.

Para selecionar os alunos, com idades entre 10 e 17 anos, Muniz sorteou as 50 vagas. O número é limitado pela quantidade de instrumentos disponíveis. Junto a ex-alunos da Orquestra Filarmônica Batista, da qual é um dos fundadores, o maestro apresentou a ideia aos pequenos na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Creusa Brito Giorgis, no bairro Ivo Ferronato. Depois de acompanharem uma apresentação, as crianças foram convidadas a colocar os próprios nomes nas caixas que indicavam cada instrumento. Delas, saíram os primeiros 15 alunos. E foi naquela mesma manhã que, empolgado pela possibilidade de reiniciar as atividades, Muniz compôs a letra de Alegria, canção que, hoje, é a mais tocada pelos integrantes da Orquestra Jovem do Pampa.

— Ela reflete a minha alegria por jamais desistir e ter conseguido reestruturá-lo (o projeto)— explica.

Contando com um professor/maestro, uma professora de iniciação musical, um coordenador e um assistente administrativo, o projeto gasta mensalmente R$ 15 mil para manter instrumentos e pagar funcionários. Muniz é o responsável pela escolha do repertório, pelos ensaios e, ainda, por buscar parcerias. A meta é ampliar a orquestra para receber mais estudantes da rede, que tem cerca de 13 mil alunos. No início deste ano, o projeto foi aprovado para receber, via Lei Rouanet, R$ 627 mil. Porém, até agora, ainda não conseguiu empresas que aportem o dinheiro.

Três trabalhos são desenvolvidos dentro da orquestra. Na Inclusão Social, as crianças são apresentadas ao conhecimento musical. Na Integração Social, elas compartilham conhecimento com músicos profissionais, que vão ao Memorial para tocar junto com as turmas.  O terceiro braço do projeto vai além da parte musical específica. Nele, os pequenos músicos participam de palestras mensais sobre direcionamento profissional e acadêmico.

Apesar de recém completarem um ano de aula, os participantes já fazem apresentações em eventos no município. Eles surpreenderam os moradores de Bagé tocando em paradas de ônibus e lares geriátricos, no final do ano passado. No início deste mês, a Associação Amigos da Orquestra Jovem do Pampa recebeu da Câmara de Vereadores o título de Utilidade Pública, em reconhecimento ao serviços relevantes por ela prestados à sociedade.

Gosto pelo clássico

Cada aula do projeto tem duração de uma hora e 30 minutos. Os estudantes tocam composições clássicas do repertório erudito e também aprendem a criar as próprias músicas ao lado dos professores.

Os alunos são estimulados a afinar os próprios instrumentos. A professora de iniciação musical, Rayssa Viegas, 22 anos, que retornou ao projeto em 2018, depois de fazer parte da primeira fase, exige foco e afinação dos pupilos. Os primeiros a chegar ao grande salão do Memorial vão direto para a sala de ensaios e apresentações, onde a acústica ajuda na hora de aprimorar os sons tirados dos instrumentos.

Munida de um celular com o aplicativo Afinador, a estudante do primeiro ano do Ensino Médio Nathália Reis, 15 anos, é a mais requisitada entre os colegas para auxiliar na afinação. Até chegar ao projeto, ela não sabia diferenciar uma viola, um violino e um violão. Hoje, tem o ouvido reconhecidamente aguçado.

— Eu já gostava de música clássica, mas aqui, aprendi a amá-la. De tanto gostar de viola, ganhei uma da minha família. Agora, passo minhas horas só tocando música clássica. Principalmente as do Beethoven — conta.

A música clássica também está fazendo a estudante do 9º ano do Ensino Fundamental Raíssa Vivian Martins, 14 anos, repensar o próprio estilo de vida. Apaixonada por funk e rock, a menina encontrou no violoncelo e nas composições de Mozart uma paz que até então desconhecia. Assim como Nathália, a jovem não sabia diferenciar o instrumento de outros de corda até conseguir uma vaga na orquestra.

— Tudo era pequeno violão ou grande violão para mim. Nas aulas, descobri que o som do violoncelo é o mais belo que já ouvi — afirma. — Estou pensando, inclusive, em deixar de lado meu estilo roqueiro e tirar os piercings do rosto. Não quero mais me afastar da música clássica. Quero me tornar uma musicista.

Enquanto rege a jovem orquestra, Mu

Émellyn: a obstinada

Aos quatro anos, Émellyn dos Santos Feijó, hoje com 11, viu na TV uma reportagem sobre jovens participantes de uma orquestra. Disse aos familiares que um dia tocaria violino. A oportunidade veio seis anos depois, quando Muniz levou alguns estudantes da Orquestra Filarmônica Batista para uma apresentação na escola em que ela estudava. No mesmo dia, seria sorteada entre os alunos uma vaga do projeto. Émellyn não pode participar do sorteio por não ter a idade mínima de ingresso – ela tinha 10 anos, e o permitido era acima de 12.

Porém, a vontade de aprender a tocar violino não findou. Determinada, pediu a uma amiga que a levasse até o projeto. Lá, explicou ao maestro o motivo da visita. Acabou conquistando uma vaga. O problema é que não havia um violino que se encaixasse no tamanho de Émellyn. Muniz, então, conseguiu um instrumento menor especialmente adaptado para ela.

Obstinada, a menina ensaia todos os dias em casa, com o violino emprestado pelo projeto. Em pouco tempo, aprendeu os macetes do instrumento. Ela é sempre uma das primeiras a chegar aos ensaios. Nas aulas, não desgruda os olhos dos movimentos do maestro e toca como se já conhecesse todas as partituras.

— Quero que a música me ajude a crescer na vida — resume.

Para ajudar

O projeto aceita novos apoiadores, tanto pessoas físicas quanto empresas. O telefone para contato é o (53) 99975-1983.

Fonte: Gaúcha ZH

 

 

 

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