Orquestras brasileiras se abrem para a música pop, com repertório de Metallica, Queen e BaianaSystem

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Conjuntos sinfônicos buscam com a iniciativa atingir novos públicos (e patrocínios), mas responsáveis defendem qualidade das obras

Há 50 anos, dois meses depois de o homem pisar na lua, um tecladista dava um grande passo para roqueiros do mundo todo. Jon Lord estreava, em setembro de 1969, o seu “Concert for group and orchestra”, juntando sua banda, o Deep Purple, com a Royal Philharmonic Orchestra. Desde então, o exemplo foi seguido por inúmeros músicos — até a tradicional Filarmônica de Berlim gravou com os Scorpions — e, no Brasil, gerou desdobramentos curiosos: Queen, Metallica, Alceu Valença e até o rapper Flávio Renegado e a banda BaianaSystem ganharam partituras clássicas.

A Petrobras Sinfônica tem enchido casas de show. Hoje, às 21h, tocará o álbum “Metallica”, da banda homônima de heavy metal, no Vivo Rio, com repeteco amanhã, às 21h. Os 1.800 ingressos desta quarta já estavam esgotados ontem, e até o fechamento desta edição sobravam poucos para o de amanhã. No dia 29, a orquestra estará no Allianz Parque, em São Paulo, tocando músicas do Queen, no show-concerto “Bohemian rhapsody” — que apresentou com sucesso no Festival Queremos, no Rio, no sábado. Foram postos à venda quase 6 mil ingressos, e todos já têm donos. Em concertos clássicos, a média de público varia entre mil e 1,5 mil espectadores.

A Orquestra Ouro Preto relata experiências parecidas. Em 2016, chegou a se apresentar para 15 mil pessoas com Alceu Valença. Com repertório clássico, costuma ser vista por mil pessoas, segundo o regente Rodrigo Toffolo.

— Sinto falta de obras que apresentem aos jovens de hoje o universo da música clássica, como fizeram, em seu tempo, “Pedro e o lobo” (de Prokofiev) ou “O carnaval dos animais” (de Saint-Saëns). Acho que essa introdução pode ser feita com uma versão sinfônica de um disco de pop ou de rock — opina o maestro Felipe Prazeres, da Petrobras Sinfônica.

Ele conta que os desafios nas releituras do Metallica não são poucos.

— Para um flautista, é difícil reproduzir uma melodia entoada com voz rouca pelo cantor. Ainda mais complicada é a questão rítmica. A orquestra não está acostumada a interagir com uma bateria, e há várias músicas rápidas, com mudanças inesperadas de compasso. É o caso da última música do disco, “The struggle within”, a mais difícil.

Beethoven com dendê

Irmão de Felipe, o também regente Carlos Prazeres tem feito um trabalho parecido com a Orquestra Sinfônica da Bahia (OSBA), que dirige desde 2011. O grupo, que costuma fazer o “Cineconcerto” com trilhas de cinema no repertório — usando roupas de personagens de filmes —fará no dia 2 de julho, no Teatro Castro Alves, um recital com o BaianaSystem.

— Vamos além de dar um acompanhamento sinfônico às músicas do BaianaSystem. Vamos tocar, por exemplo, o scherzo da 9ª sinfonia de Beethoven. Depois, haverá um trecho da “Missa solene”, do mesmo compositor, com a letra de “Arapuca”, da banda baiana.

Carlos acredita que faz, assim, “uma imersão da orquestra no mundo daquela banda e vice-versa”.

— Isso deixa um legado. Os fãs do BaianaSystem veem que existe uma orquestra de vanguarda em sua cidade que dialoga com a cultura que eles consomem. Cerca de 60% de nosso público têm de 18 a 34 anos. É bem diferente do público tradicional da música clássica, com 60 anos ou mais.

Ao fazer tal constatação, Carlos se apressa em dizer que 90% da temporada da OSBA consistem de música clássica, e não de crossover. Mas esses 10% restantes são importantes para a imagem da orquestra.

— Muita gente vê uma orquestra como algo ultrapassado e, além disso, elitista. Quando fazemos um concerto com o BaianaSystem, quebramos essa imagem.

Aos 19 anos de vida, a Orquestra Ouro Preto também tem convivido bem com universos sonoros díspares. No dia 26, dividirá o palco do Sesc Palladium, em Belo Horizonte, com o rapper Flávio Renegado, com quem acabou de gravar o disco “Suíte Masai”. Três dias depois, tocará Grieg e Mendelssohn, na Sala Minas Gerais. No fim de agosto, terá um (re)encontro com Alceu Valença, com quem concebeu o disco “Valencianas”, de 2014.

Questão de sobrevivência

Para o conjunto mineiro, mantido exclusivamente com patrocínios privados, a estratégia de diversificar o repertório é questão de sobrevivência, segundo o regente Rodrigo Toffolo:

— O mercado precisa ver na orquestra um bom investimento. Fizemos um álbum premiado com o Alceu, e ele trouxe números inéditos para a orquestra: mais de 20 milhões de visualizações e quase 160 mil ouvintes mensais no Spotify. Só o vídeo de “La belle de jour” tem 5,8 milhões de views.

Mas a defesa do repertório popular — que inclui Beatles, tema de concerto da Orquestra Ouro Preto neste sábado, em Inhotim — não se restringe a números e cifras. É questão artística também.

— Orquestra sempre foi sinônimo de vanguarda, absorvendo as novidades musicais. A partir da segunda metade do século XX, porém, elas passaram a ser guardiães de um patrimônio do passado. É importante inserir a orquestra sinfônica no contexto social em que vivemos. A palavra de ordem é modernizar. E qual é o estilo musical mais cantado no mundo hoje? O rap — conclui, deixando claro como chegaram a Renegado para gravar “Suíte Masai”.

Fonte: O Globo

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