Pianista Arthur Moreira Lima une música e humanismo

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Arthur Moreira Lima completa 70 anos de carreira com saldo positivo dos 15 anos dedicados a percorrer o Brasil em um caminhão

Depois de 15 anos à frente do projeto Um piano pela estrada, Arthur Moreira Lima está de volta aos palcos tradicionais dos quais nunca se afastou, mas que acabaram mais raros enquanto tocava para mais de 2 milhões de pessoas em praças públicas do Brasil. Este ano, o pianista comemora 70 anos de carreira. Ele era um garoto de 8 anos quando subiu ao palco pela primeira vez para tocar Mozart acompanhado da Orquestra Sinfônica Brasileira.

Hoje, aos 78 anos, está um pouco desanimado. Não com a música, que ele considera quase uma salvação, mas com certos aspectos da humanidade, cujos valores ele tem dificuldade de reconhecer. “Preocupo-me muito com os rumos que o mundo está tomando. Não é só o Brasil, o mundo inteiro está assim, muito perturbado, sem encontrar uma fórmula de sobrevivência. Havia um equilíbrio muito difícil, precário, mas havia. Hoje em dia, a gente sente enorme desequilíbrio em tudo e é isso que me preocupa”, diz. Moreira Lima deveria tocar em Brasília neste fim de semana, mas o recital foi cancelado. Ele chegou a desembarcar na cidade e a se hospedar, mas se desentendeu com a produção do recital e cancelou a apresentação.

Moreira Lima se diz um realista e, dentro dessa perspectiva, não há como ser otimista. Ele reclama da falta de diálogo generalizada no Brasil nos últimos tempos, tema capaz de fazê-lo parar de falar de música. “Não é que me ache essas coisas, mas, de vez em quando, me sinto muito mal cercado. Me dá uma tristeza. Não sei se é por causa da velhice, mas é difícil porque as pessoas não dialogam, não querem falar, não querem despertar para a realidade, não querem ver. Impressionante como as pessoas estão cada vez mais centradas no mundinho delas”, lamenta. Nesse universo, a música clássica perde.

O pianista reconhece que o gênero não faz parte do universo brasileiro. “E não adianta fingir que faz, porque não faz. É uma cultura europeia e, como fomos colonizados com isso e nossos compositores beberam muito nessa fonte, eles são bastante sofisticados. A música clássica faz parte da cultura de uma pequena elite que é voltada para fora do Brasil. A gente precisa ser muito forte culturalmente para resistir à invasão de música estrangeira de qualidade duvidosa”, acredita. A música clássica pode não fazer parte da cultura brasileira, mas, mesmo assim, consegue operar milagres. Um deles veio das mãos e da cabeça do próprio Moreira Lima.

Fome cultural

Com o piano de cauda a bordo de um caminhão, ele percorreu todas as unidades da federação e chegou a tocar para público de mais de 10 mil pessoas de uma só vez. A filosofia era divulgar a cultura pelo país. Durante as apresentações, antes de dar início a cada peça, fazia um comentário para explicar a obra. Era uma forma de manter cativa a atenção do público. A experiência levou a uma constatação da qual ele desconfiava. “Foi maravilhoso ver como o brasileiro responde imediatamente a qualquer estímulo e como se sente honrado de você ter ido lá tocar pra ele. Não tem isso de que o povo não entende, ele entende o gesto, agora tem que escolher um programa acessível. Por isso, fico muito apreensivo de ver como o país está sendo mal manipulado. Está todo mundo meio perdido, até eu. Isso é sinal dos tempos, não é culpa da direita, da esquerda, do centro. É culpa do progresso material, que foi enorme sem haver um progresso espiritual e intelectual equivalente”, pondera.

Investimento

Para o pianista, a música atravessa momento difícil, especialmente no Brasil. Falta de investimento está no topo dos problemas, mas as novas tecnologias também interferem. No caso do piano, especialmente, há várias dificuldades. “Hoje, você ter um piano na sua sala é quase um anacronismo”, repara. “É um instrumento caro, caro de manter, muito grande, incomoda o vizinho. E com essa invasão de instrumentos eletrônicos, diminuiu. Se você explorar, vai encontrar um espaço para música clássica, sim. Agora, é muito caro e o país está praticamente falido”.

Moreira Lima até vê vantagens na tecnologia, mas acha que a sociedade ainda não encontrou um caminho de equilíbrio para fazer uso das vantagens trazidas pela internet. Para ele, a rede afasta as pessoas do humanismo necessário para a convivência. “A internet existe hoje para as pessoas ficarem xingando umas as outras. É um instrumento maravilhoso, mas que não destrua uma qualidade principal que é o humanismo da gente”, diz.

Fonte: Correio Braziliense

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