Amor conduz trajetórias de participantes do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga

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Violista, educadora musical e maestro contam ao G1 como este sentimento repercute pessoalmente e profissionalmente, além da importância do festival para troca de experiências. Evento terminou neste domingo em Juiz de Fora/MG.

A 30ª edição do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga chegou ao fim no domingo (28), em Juiz de Fora/MG. Uma das razões que explica a longevidade do evento, mesmo com as mudanças ao longo das décadas, é o amor dos participantes pela música.

O G1 conversou com Luciana Nagumo, que ministrou oficina de educação musical; com a violista Flávia Motta, que se apresentou em um recital e com o maestro do Conjunto de Música Antiga da Universidade de São Paulo (USP), William Coelho, que se apresentou neste domingo.

“Viabilizar um evento deste porte vem do amor que todas as pessoas sentiram em algum momento pela música, que faz acreditar que vale a pena lutar apesar das dificuldades. Só tenho que agradecer a Deus por um festival como o de Juiz de Fora que se especializa na Música Antiga, que é menos incentivado que a música moderna. Dar parabéns à direção e seguir torcendo para que haja a 31ª, 32ª e assim por diante”, disse o maestro.

Conheça um pouco das diferenças e semelhanças destas três trajetórias que passaram pelo festival e de como estas pessoas transformam o sentimento em profissão, ensino, pesquisa, estudo, em compartilhamento de experiências, emoção e música.

Música é… estudo constante

“O instrumento do regente é a orquestra, porque não sai som da batuta. Ele é um músico como qualquer outro. A principal qualidade e o maior desafio do regente é a habilidade de comunicação para que os músicos entendam o que ele quer e devolvam com a música”.

A condução do repertório de três obras de Haydn, Mozart e Beethoven executadas com instrumentos idênticos aos utilizados na época em que foram compostas passou pelas mãos, gestos e interpretação do maestro William Coelho no concerto da noite.

No entanto, o caminho que levou à regência do Conjunto de Música Antiga da USP começou na infância e tem primeiras lembranças relacionadas ao som da voz de Milton Nascimento em momentos familiares, como contou o maestro ao G1.

“Meu pai escutando Milton em casa, geralmente aos domingos. Às vezes, era rock, às vezes Phil Collins. Há esta afetividade, acordar tarde, com o som da vitrola bem alto, dos domingos com a família, almoço mais caprichado, esta é a minha primeira memória. Depois um tio me deu uma flauta doce de presente, não tinha noção do que fazer com aquilo. Quando ficava triste, pegava a flauta e tentava tirar som. Vi que gostava de música a partir disso”.

O coral na escola chamou a atenção do garoto que se interessou por música clássica. Com 14 anos, ele já era assistente do maestro. Aprendeu violino, um pouco de violoncelo e atualmente toca viola e a viola barroca. No entanto, quando chegou a hora de fazer o vestibular, fez biologia.

“Minha primeira formação é de biólogo, na Federal de Alfenas. Não tinha vestibular para música. Dava aulas, mas sempre mantive em paralelo a música. Aí chegou o momento que precisei investir, abandonei a Biologia, fiz vestibular na USP e passei para regência. Nos últimos dois anos da graduação, conciliei com o Mestrado. Atualmente, estou concluindo o Doutorado em Regência em Música Antiga”, contou.

Segundo William Coelho, a música exige que ele se aperfeiçoe cada vez mais pessoal e profissionalmente para saber a melhor forma de conduzir os demais músicos.

“Meu trabalho não existe sem alguém na minha frente que possa me dar o som. Quando o músico vê que o regente estudou muito, sabe todas as notas, sabe o que quer, a tendência é dar o melhor de si”.

Ele relata ainda que continua aprendendo a como se relacionar com as pessoas. “Plo carinho, pela admiração, às vezes pela bronca, porque eu preciso do melhor de todos para a orquestra funcionar. É isso que eu levo para a vida e me torna uma pessoa melhor”

Em 2018, William Coelho trabalhou como professor substituto de Canto Coral, Harmonia e Percepção. Conheceu o festival nesta época, como público e aluno da oficina de Dança Barroca.

“É um esforço hercúleo destas pessoas muitos especiais da direção do festival, que batalham para fazer acontecer. Assim como nós do Conjunto de Música Antiga da USP só sobrevivemos porque amamos o que fazemos. Espero que o público consiga notar a qualidade da música e especialmente o amor que cada um dos integrantes tem pelo que faz”.

Neste ano, William estreou como atração conduzindo a apresentação que encerra o evento fazendo uma apresentação que exigiu estudo para causar surpresa ao público, ao buscar o som dos instrumentos históricos usados pelos compositores.

“Todos os músicos do Conjunto são especializados, estudaram dentro ou fora do Brasil para poder executar uma obra com estes instrumentos. Quem foi ao concerto  percebeu que o som dos instrumentos históricos é diferente e que eles são precursores do que temos atualmente, feitos com outros materiais”, ressaltou.

Música é… emoção

“São muitos sentimentos! Às vezes fico nervosa ou tensa, os músicos em geral se cobram muito durante as performances. Emoção é um sentimento muito presente sempre”.

É assim que a violista Flávia Motta se sente cada vez que se apresenta. E quem viu o Recital de Piano, Viola e Clarineta na quarta (24) no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes (MAMM) não imagina que o encantamento dela pela música começou na infância.

“Meu pai e minha irmã tocavam violão. Quando eu tinha 7 anos, minha irmã Daniela e meu cunhado Mário Sérgio me levaram para assistir um concerto do Pró-Música Antiqua na capela da Santa Casa de Juiz de Fora. Foi muito marcante para mim, meu cunhado me mostrava cada instrumento e explicava tudo. Eu adorei”, contou.

Um ano depois, começou a estudar violino no Pró-Música e descobriu uma extensão da própria casa. “Meu professor era o Luis Otávio Santos, as aulas eram em grupo e muito interessantes. Logo entrei para a orquestra e era uma grande motivação. Fazíamos muitos concertos e viagens para tocar em outras cidades. O Maestro Nilo Hack foi uma pessoa muito importante, ajudou a despertar o gosto pela música e pelo palco. A escola de música era praticamente minha segunda casa e meus colegas, minha segunda família”.

Neste tempo, o Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga também se tornou um encontro marcado na vida de Flávia.

“Participei de cerca de dez festivais durante a minha formação. Não me lembro das minhas férias de julho sem o festival! Tive a oportunidade de ter aulas com os melhores professores nacionais e internacionais, assistia a todos os concertos, conheci e criei laços fortes com músicos do Brasil todo. Minha família hospedava jovens de outras cidades que vinham para o festival”.

Ela considera o evento fundamental tanto para os alunos quanto para a formação de plateia. A melhor lembrança que guarda deste período é saber que faz parte do registro do festival.

“Foram as gravações dos primeiros CDs do festival, que fazíamos lá no Seminário Floresta, uns 20 anos atrás. Marcou muito foi minha primeira experiências com gravação. Era muito emocionante participar dessas gravações”.

Flávia mora em Belo Horizonte e, desde 2016, integra o Quarteto Boulanger, grupo dedicado à música contemporânea, que em breve estará lançando seu primeiro disco. Depois tantos festivais, a mineira de Juiz de Fora retornou para uma estreia.

“Pela primeira vez, participei como parte da programação em um recital junto com a Elisa Galleano, pianista que também é de Juiz de Fora e também participou de diversos festivais, e Iura de Rezende, clarinetista. Em cada festival realmente foi uma emoção única, mas dessa vez foi ainda mais especial, poder voltar 20 anos depois e me apresentar em minha cidade nesse importante festival”, contou.

Música é… vida

“Música pra mim é vida: meu trabalho e meu lazer; meu relax e minha diversão; família, amigos; infância … estado de humor… meu louvor a Deus!”.

É desta forma que Luciana Nagumo define a relação com a música, que começou quando ela era bebê e a mãe, Josette Silveira Mello Feres, fundou a Escola de Música de Jundiaí.

“Desde sempre vivi dentro de um ambiente musical; tocando em orquestra, banda, cantando em coral, participando de festivais, oficinas. Em casa, os filhos tinham aula de Português, Matemática, História, ‘Piano’, Geografia, Ciências. O piano fez naturalmente parte da minha formação, escolhíamos mais algum instrumento, no meu caso, foi o violoncelo e flauta doce”, contou.

Para ela, a tradição e a história do Festival Internacional de Música Colonial Brasileira e Música Antiga permitem um ambiente positivo de divulgação da música em vários setores.

“O ambiente é delicioso. O jovem fica imerso no universo da música e há uma grande troca de experiências. A oficina que dei era direcionada a pessoas que querem trabalhar com crianças bem pequenas. O festival oferece uma oportunidade de conscientizar um grande grupo de jovens, muitos ainda estudantes, que o trabalho com bebês é extremamente sério, necessita muito estudo, muito cuidado, tem objetivos bem definidos, com repertório muito especifico”, ressaltou.

O estímulo pode começar em casa, mesmo que os pais ou responsáveis não sejam músicos. “Gosto muito da frase de uma educadora musical canadense, Donna Wood, que diz assim: ‘Você não pode me ensinar a gostar de música, mas eu posso aprender a amá-la através de você’. Quando os pais gostam, cultivam, vivem um ambiente musical em casa, naturalmente a criança terá prazer em ‘fazer’, em brincar com música”, contou.

Para Luciana Nagumo, o que não é indicado é forçar a criança a estudar algo com que ela não se identifica. Ela conta que os pais devem trocar a “obrigação” por “estímulo”, especialmente quando surgir alguma dificuldade no aprendizado.

“Simplesmente forçar uma criança, com certeza não é a melhor estratégia, mas incentivá-la sempre faz toda a diferença! Quando começa, tudo é novidade. Em algum momento vai sentir a necessidade de estudar com maior frequência, por mais talentoso que o aluno seja, o talento sempre tem um limite. Se cria uma disciplina de estudo desde o começo, terá maior probabilidade de seguir sempre estimulado, porque na hora da dificuldade está acostumado a ‘sentar e trabalhar’ com o seu instrumento, estudando e repetindo os trechos mais difíceis”.

“O fato dos pais colocarem os filhos numa aula de música é uma das melhores heranças. Uma das orientações que costumo dar é que as crianças devem sempre fazer alguma aula coletiva, paralelamente à aula de instrumento, coral, orquestra infantil, banda, percepção… Fazer música em grupo, além de toda questão social, é um estimulo individual muito grande”, analisou.

E se alguém ainda tem uma dúvida, Luciana Nagumo destacou os benefícios do contato com a música e do aprendizado de um instrumento.

“A música estimula os dois lados do cérebro; pode tanto nos acalmar, quanto nos deixar agitados; ela nos transporta para ‘outros mundos’. O aprendizado estimula a afetividade, o sistema cognitivo, motor, raciocínio, concentração, sociabilidade, disciplina, entre tantas outras coisas. Por tudo que desenvolve, com certeza teremos pessoas mais preparadas, mais críticas e mais sociáveis”, afirmou.

Fonte: G1

 

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